Chocante para todo o país, o assassinato das 12 crianças no Rio é também assustador pela sensação de insegurança dos alunos, de se tornarem vítimas de violência quando menos se espera. Para evitar esse clima nas escolas, tem sido lembrado que é um episódio isolado até agora no Brasil, embora já tenha se repetido nos Estados Unidos. A carta do homicida e suicida, repleta de pensamentos grosseiramente contraditórios e delirantes, revela que o mesmo se encontrava francamente psicótico, o que é óbvio para qualquer um que a leia na internet, não necessitando ser psiquiatra para fazer esse diagnóstico. Na linguagem popular, não era um bandido (não tinha antecedentes criminais), mas era um maluco.
Essa deveria ser uma constatação tranquilizadora para as escolas, de que foi um episódio isolado de um maluco e portanto não é algo que vá se repetir tão facilmente. Mas para sermos sinceros – e aqui escrevo num espaço com um perfil majoritário de leitores adultos, suponho – a loucura não está tão distante de nós e não é tão fácil prevení-la. Poderia falar aqui do óbvio, da insuficiência do sistema de saúde pública que não dá conta da demanda de pacientes que mereceriam atenção. Mas há um problema ainda mais abrangente do que esse, que são as nossas próprias contradições culturais. Todos nos queixamos das formas de violência que sofremos no cotidiano, mas poucos se percebem como fazendo parte de alguma forma de sistema de violência – como é o caso da omissão, por exemplo. No caso desse assassino psicótico, ele não estava recebendo nenhuma forma de atenção para seus problemas porque não estava “incomodando” ninguém, estava se isolando progressivamente. Problema dele, que não imaginamos que um dia pudesse se voltar contra nós de forma tão devastadora, no processo psicótico que ele foi desenvolvendo no seu isolamento.
Há muitos livros dedicados a vender milhares de exemplares ao público leigo, com a promessa de ajudar a identificar psicopatas. Muitas vezes não são livros tão sérios, podendo cair no sensacionalismo e na rotulação simplista. Mais sérios foram os italianos que construíram um modelo de psiquiatria comunitária naquele país, para melhorar o atendimento nos postos de saúde, inclusive treinando os atendentes a lidar com os pacientes. Segundo Giovanni Jervis, um dos líderes daquela reforma psiquiática, não são os psiquiatras que notam primeiramente os sintomas de desajuste, eles são evidentes para a própria população. A diferença é que o profissional deve saber como lidar (leia-se conversar) com essas pessoas – e orientar não só as equipes de saúde como as famílias dos pacientes em como ajudá-los.
A principal questão não está no diagnóstico e sim na abordagem do problema. Para dar um exemplo prático, a tendência natural é cada um de nós tentar “curar” as maluquices que ouvimos dos outros as “corrigindo” e substituindo por verdades cheias de conteúdos... das nossas próprias incoerências. Seria cômico, se não fosse trágico, citar alguns diálogos de alguém tentando substituir as maluquices dos outros pelas suas próprias, típico por exemplo de uma crônica do Luís Fernando Veríssimo. Que aliás é quem fez o diagnóstico mais importante, o da nossa cultura como um todo, quando disse que “o nosso problema é que temos vencedores demais, basta ver no trânsito uns querendo passar na frente dos outros”.
Existem hoje abordagens capazes de re-inserir nos relacionamentos sociais pessoas com problemas de conduta ou com várias formas de problemas emocionais graves, como por exemplo a Comunicação Não-Violenta (ou Empática) e a Justiça Restaurativa, entre outras. Estão começando a ser utilizadas, inclusive, nas escolas. Mas até que uma mudança cultural ocorra – tarefa para mais de uma geração, sem dúvida – teremos de ter cuidado, sim, com as pessoas hoje invisíveis para nós, porque não nos interessamos pelos seus problemas. Por isso muitas escolas já estão pedindo apoio da Guarda Municipal das suas cidades, para sua segurança mais imediata.
COMPORTAMENTO Montserrat Martins
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