O Fórum Econômico Mundial, em Davos, incluiu na pauta os
extraterrestres e as “oportunidades de investimentos” em outros planetas. Esse
fórum não é assunto para o “povão” e assim os humoristas populares não vão
aproveitar a “deixa” de que os maiores poluidores deste planeta, protagonistas
em Davos, agora querem “investir” noutros. Mais sério que este foi um debate
realizado no Canadá em 2011 e agora lançado em livro, “O século XXI pertence à
China?”. Dois “experts” internacionais de cada lado desfilaram seus argumentos,
a favor e contra a hipótese de que a China conquistará a hegemonia econômica
mundial.
“O século XXI será da China pelo declínio de uma América
obesa, dependente de dinheiro emprestado e sexualizada demais”, polemizou Niall
Ferguson. Não se trata de um ponto de vista moralista, mas sim de um professor
de Administração de Empresas na Harvard Business School e editor do Financial
Times. Contra a hipótese da hegemonia chinesa falou Fareed Zakaria, editor da
revista Time: “A China ainda não solucionou um problema básico, o que fazer
quando surgir uma classe média e como o governo responderá às aspirações desse
grupo de pessoas. Quando a Coréia do Sul passou por isso, houve uma transição
para a democracia e essas transições não são períodos fáceis”.
Você não precisa trabalhar na indústria do calçado no
Vale dos Sinos nem ter uma lojinha de 1,99 para saber que tudo que acontece lá
nos afeta direta ou indiretamente. Trata-se de concorrência desleal, baseada em
trabalho escravo? De uma sociedade tipo “espartana” (em contraste com os
valores “atenienses” ocidentais) em que o Estado é mais importante que os seus
cidadãos? “No nosso modelo – em comparação com o modelo dos Estados Unidos e de
outras nações ocidentais – o bem-estar e a estabilidade social são mais
importantes do que a mera liberdade individual”, argumentou o chinês David Li,
membro do Comitê de Política Monetária do Banco Central de China.
As relações entre as potências mudaram nos anos 70, o que
colocou Nixon na História, por menos que você goste dele. David Li descreve o
pragmatismo oriental do processo de Reforma e Abertura, revelando que “Deng
Xiaoping anunciou: 'Nada de debates. Vá lá e faça'. Deng Xiaoping não seria
muito fã de debates como esse aqui. Talvez pudesse ser fã da Nike, 'Just do
it'...”. O principal articulador desta aproximação foi o secretário de Estado
norte-americano Henry Kissinger, autor de “On China” (“Sobre a China”). Grande
admirador do país, ele é no entanto um cético quanto à hegemonia chinesa: “Eu
diria que a China estará ocupada com enormes problemas internos e com seu
entorno imediato durante esse século”.
Todas informações sobre a sociedade chinesa convergem em
que aumentam as reivindicações de trabalhadores, pressionando por melhores
salários e condições de trabalho, em busca de qualidade de vida, o que
encarecerá também seus produtos. Esse processo pode levar décadas, é claro, e
até lá muitas indústrias daqui já terão sucumbido à concorrência chinesa.
Aspecto interessante é o que isso gera não só em nós, à distância, mas na
própria vizinhança, como descreve Fareed Zakaria: “As pessoas gostam de falar
sobre a ascensão da Ásia. Eu fui criado na Índia Não existe esse negócio de
Ásia. Os países não gostam muito uns dos outros. A ascensão da China provocará
uma reação enérgica na Índia, no Japão, na Indonésia, no Vietnã e na Coréia do
Sul. Já começamos a ver sinais disso”. Pelo pluralismo, que assim seja.
Montserrat Martins