Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) lançaram o documento Mapeamento da cobertura vegetal do Bioma Pampa, após três anos de elaboração. O trabalho faz parte do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (ProBio), iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que pretende mapear os remanescentes de vegetação natural de todos os biomas brasileiros. O Pampa, com 178 mil quilômetros quadrados o que corresponde a 63% do território do Rio Grande do Sul, já perdeu 59% de sua cobertura vegetal nativa. A crescente conversão para novos usos nas últimas décadas, com o avanço da fronteira agrícola, invasão de espécies exóticas e expansão das pastagens, ameaça o bioma, segundo Heindrich Hasenack, professor do Departamento de Ecologia da UFRGS, que coordena o Laboratório de Geoprocessamento. As unidades de conservação no Pampa se concentram nas áreas lagunares e de planície costeira o Banhado do Taim e o Parque Nacional da Lagoa do Peixe. Nenhuma delas inclui o campo típico das fronteiras oeste e sul do estado. No passado, o arroz, a soja e o milho contribuíram para a devastação do Bioma, e, atualmente a silvicultura é a atividade que mais converte o campo nativo. Há duas formas para conservar os 41,13% do bioma Pampa da cobertura vegetal nativa (original) que ainda resiste (23,03% correspondem a formações campestres, 5,19% a formações florestais e 12,91% a formações de transição - mosaico campo-floresta). Uma é identificar áreas bem conservadas de diferentes fisionomias no Bioma e transformar o que for possível em unidades de conservação. A segunda alternativa é definir, para estes 40% com cobertura natural, um tipo de uso que não remova esta cobertura, permitindo simultaneamente a atividade econômica e a conservação. Atualmente, as áreas menos representadas em unidades de conservação são as que apresentam melhor estado de preservação. Esses municípios mantêm uma criação tradicional, extensiva, de gado. Por isso utilizam a pastagem nativa. Isso pode indicar um modelo de sustentabilidade para o Pampa, com investimento em um melhoramento do manejo nesses campos. Porém, é preciso manter uma lotação coerente com a paisagem, utilizar a pastagem nativa e investir em genética e em biotecnologias da reprodução.
Sob o ponto de vista econômico e sustentável, existe uma enorme oportunidade representada pela produção de carne de gado bovino certificada, em campos naturais com grande diversidade, sem necessidade de suplementação alimentar, o que lhe confere um sabor especial, sem igual. Segundo Antonio Eduardo Lanna, engenheiro civil, pecuarista no município de Lavras do Sul e sócio da Apropamapa, é a melhor carne do mundo, que o mercado sofisticado dos países mais desenvolvidos deseja consumir e pagar por isto. Bem manejado, e com melhorias no campo nativo representadas pela correção de acidez, adubação e plantio de espécies hibernais, pode-se atingir produções de 1000 kg por ano de carne de qualidade extraordinária em cada hectare, de acordo com pesquisas realizadas pelo Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS. Com a carne valendo atualmente mais de R$ 2,20 o quilo, isto representa mais de R$ 2.200,00 de receita bruta por hectare em cada ano, bem mais do que em qualquer outra atividade nesse bioma incluindo a agricultura e a silvicultura. E, o que é também importante, é possível conciliar a pecuária de corte com a proteção ambiental do Pampa, mantendo e ampliando os serviços ambientais que presta. Já nos outros casos, isso não ocorre, muito pelo contrário. O interesse das papeleiras pelo Pampa é particularmente mais grave devido ao fato de que as áreas de recarga do aqüífero são, via de regra, áreas com solo arenoso que apresentam poucas alternativas de uso além da pecuária e silvicultura e, por isto, tem menor valor de mercado. São essas as áreas preferidas pela silvicultura, já que o pecuarista ainda não se deu conta do potencial de uso do campo nativo e, por isto, o mercado não valorizou como deveria as áreas destinadas à pecuária. A Apropampa (www.carnedopampa.com.br) visa à promoção do desenvolvimento sustentável do Pampa, na região por ela demarcada, por meio da atividade que melhor concilia o crescimento econômico com a proteção ambiental que é a bovinocultura de corte. Infelizmente, as grandes organizações da cadeia de celulose descobriram essa região excepcional, que, além de grande produtividade na cultura de eucalipto, tem a favor delas o relativamente baixo custo das terras, devido à pecuária pouco tecnificada, que é nelas praticada. No entanto, a qualidade da carne que aqui se produz é conhecida mundialmente. Falar de carne argentina ou uruguaia é atestar essa qualidade. E a carne que produzimos no Pampa gaúcho em geral, e a carne produzida na Apropampa, em especial, em nada difere da carne dos nossos vizinhos.
Para Iridiane Lopes da Silva, engenheira agrônoma e analista ambiental do IBAMA, é muito diferente integrar a produção de pecuária+agricultura+silvicultura em uma propriedade e, converter grandes áreas em monoculturas de árvores. Na primeira situação, é possível manter boa parte da biodiversidade local, enquanto no sistema de produção “monocultura” você produz uma perda drástica desta biodiversidade local. Isto é ainda mais acentuado quando esta introdução de árvores ocorre em um bioma em que “árvore” só existe em mata de galeria (mata ciliar ao longo de rios e sangas). Durante um seminário realizado em Alegrete/RS, na Semana do Meio Ambiente em 2006, em diversas oportunidades o diretor da Stora Enso (empresa de celulose), que estava presente ao evento, foi questionado se era o modelo agrosilvopastoril que a empresa desejava instalar nas propriedades que pretendia adquirir e ele foi franco ao admitir que para sua empresa este sistema não seria viável economicamente. Devido a essa estratégia, existe um conflito entre a pecuária e a silvicultura. A participação da pecuária gaúcha no Brasil vem caindo comparado com os anos 1998 a 2000. Naquele triênio, era de 8,2% do total e baixou para 7,7% na média 2001 a 2003, chegando, no período 2004 a 2006, a 6,9% do total nacional. Combater um incêndio em área florestal é sempre mais complicado do que em uma área de campo. Mesmo países com mais estrutura logística que o Brasil (como Canadá e EUA) são palco de grandes incêndios florestais, com sérias conseqüências econômicas, como destruição de casas, lavouras e de sistemas de transmissão de eletricidade e telefonia. Quando o estado anunciou a formulação de um Zoneamento Ambiental para a Silvicultura (ZAS) e que este zoneamento seria financiado pela Associação Gaúcha de Empresas Florestais, houve uma apreensão generalizada. A maioria das pessoas, inclusive alguns técnicos, que desqualificaram o Zoneamento elaborado pela Fepam e pela FZB sequer o leram. O antigo zoneamento partiu do princípio de precaução: nas áreas em que os técnicos ficaram em dúvida por não disporem de dados suficientes para um parecer com segurança técnica de que não ocorreria a implosão do ecossistema, eles indicaram que não deveria haver o plantio, permitindo que haja tempo para que outros estudos sejam realizados nestas áreas e seja feita nova análise. Teríamos certa segurança de estarmos protegendo o que resta do bioma pampa se as licenças ambientais respeitassem a versão original do ZAS, evitassem a instalação de empreendimentos nos remanescentes de campo nativo indicados no Mapa de Vegetação do Pampa (MMA e UFRGS, 2007) e evitassem a instalação de empreendimentos nas áreas indicadas pelo Mapa de Áreas Prioritárias (Portaria MMA nº 09/2007) como de Importância Biológica “Muito Alta” ou “Extremamente Alta” e como de Prioridade de Ação “Muito Alta” ou “Extremamente Alta”. Nas 12 Unidades de Paisagem Natural (UPN) com baixo grau de restrição não haveria maiores problemas para o seu plantio, desde que adotadas as precauções mínimas que o antigo ZAS determinava. O mesmo poderia ocorrer nas 15 UPNs com médio grau de restrição, onde as precauções serão maiores. Por que então insistir em ocupar parte das 18 UPNs com alto grau de restrição no novo ZAS? Acontece que a maioria das espécies mais vulneráveis não ocorre em todo o pampa, mas ocupa uma região muito restrita de campos. Outro dado importante é que 15% das 250 espécies ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul habitam somente campos, sendo seis mamíferos, 25 aves, um réptil, três anfíbios e três espécies de abelhas. Estão incluídos nesta lista o veado-campeiro, o gato-palheiro e águia-cinzenta, entre outros. Nacionalmente discutimos tanto o código florestal enquanto temos regionalmente o nosso próprio problema para resolvermos. Não somos contra o plantio de eucalipto. Sabemos que papel se faz com tronco de eucalipto e nós consumimos papel como todo mundo. Não somos tão retrógrados. A mídia eletrônica não substituiu e não substituirá o papel. O primeiro zoneamento era ambientalmente melhor, mas o segundo zoneamento, que foi o zoneamento do acordo, continuava permitindo até 5.000 hectares, dependendo da zona, o que é bem razoável. Na África do Sul, as empresas responsáveis precisam investir volumes de dinheiro da ordem de centenas de milhões de dólares na recuperação do ambiente que degradaram, pois esgotaram fontes de água importantes para a população e eliminaram o habitat de espécies de animais endêmicos e ameaçados.
Segundo Glayson Ariel Benke, biólogo e pesquisador do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, o ecoturismo e o turismo cultural, explorando a paisagem dos nossos campos, as nossas tradições gaúchas e a rica história de batalhas e conquistas que envolvem o pampa é um prato cheio a ser explorado por algumas regiões.
*Compilação de entrevistas com Heindrich Hasenack, Eridiane Lopes da Silva, Antonio Eduardo Lanna e Glayson Ariel Bencke pelo Instituto Humanitas UNISINOS:
Por Dr. Eduardo Antunes Dias*
Médico Veterinário, mestre e doutor em Reprodução Animal pela FMVZ – USP
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